terça-feira, 14 de junho de 2011

De Poses e Posses

Sentir sem possuir

Perto do Coração Selvagem, Clarice Lispector

O Brasil assume-se como uma potência capitalista. A economia cresce acelerada a uma intuição de desenvolvimentismo tecnológico cada vez mais acentuado, nos transportes, na Ciência e todos os avanços na área da técnica – entendida como produto, é claro. Somos o filhote do Imperialismo na América do Sul e não só economicamente, mas culturalmente...Um país ilhado por suas linguagens, por sua língua, um país rico em reservas naturais e extração de petróleo, minerais e tantas outras formas de riquezas, digamos, inflamáveis.

É bom observamos que cada vez mais o povo brasileiro tem tido mais possibilidades de obter alguns produtos, tanto de uso doméstico e de necessidades mínimas (fogão geladeira, chapinha para o cabelo...), como produtos de uso puramente utilitarista e representativo social, de status ( carros, aparelhos eletrônicos...): normas de conduta do capitalismo. Com a Redução do IPI e uma economia "estável, há uma significante melhora na qualidade de vida MATERIAL da população. Mas até que ponto essa possibilidade tem repercutido nas consciências das pessoas?

Quanto mais se tem objetos que auxiliam nas tarefas diárias e nas possibilidades de comunicação muito mais se pode trazer de facilidades e adaptação frente ao mundo e suas instituições morais e sociais. Mas quanto mais precisamos desses objetos mais os meios de alcançá-los tornar-se NECESSÁRIOS e SUFOCANTES. O salário pago por um emprego nunca parece suficiente e sempre estamos de olho em algo que pague melhor.. Assim, não assimilamos o emprego ao trabalho, não associamos na vida a alegria de fazer algo combinado a satisfação de participar desse algo, e como diz Henry Miller em Trópico de Câncer “Um homem pode chegar a amar a merda se seu sustento depender dela, se sua felicidade estiver em jogo” (p. 143), sustento esse também de seu posicionamento na hierarquia de PODER por TER.

Vejam só, não é algo novo o problema que começo a delinear, novas são as maneiras com que isso se apresenta agora agora agora... nesse presente destituído do tempo de pensarmos sobre nós mesmos, de criarmos situações de amadurecimento de sentimentos, pensamentos e matizes da alma e do espírito. Os prazeres do corpo cada vez mais em moda e modismos, são necessários para o a manutenção do status e da respeitabilidade social. Novas devem ser as respostas dadas a esse encrudescimento das almas, a essa formalização das relações individuais e posteriormente socializáveis.

A sociedade em que vivemos cada vez mais se apresenta com a inserção de “mini-máquinas”, MP(3,4,5,6...), objetos multifuncionais, carros com design cada vez mais diferenciados, objetos para casa cada dia mais sacralizados... Mas, estritamente sobre aquilo que chamo de “mini-máquinas”, gostaria de aumentar o volume do que quero dizer. Uma guria ou um piá adequam o fone de ouvido na orelha e criam a própria trilha sonora, mas estão a caminho do emprego, não do desfecho fantástico: lírica de películas. Uma hora é o tempo que se exige de locomoção ao emprego e é o tempo em que ela utiliza aquela “mini-máquina”. Mas quanto tempo ela trabalha? De segunda a segunda em um shopping no centro da cidade, das dez horas da manhã as dez da noite. Seu salário de dois meses resultou em um desses mp7, 8, 10, 14... salários, salários, coisas... e ela o utiliza em seus momentos de lazer, ou seja, no ônibus a caminho ou voltando do shopping. Ela também tem máquina fotográfica, lap top, mas não tem o tempo para utilizá-los. Ela TEM muito mais do que pode SER COM ELES. E quantos de nós não reclamamos hoje de que não temos tempo para fazer o que nos amplia as ideias, seja artisticamente e libertariamente, não temos tempo de nos construir, apenas fragmentos de pensamento e sentir, de estação em estação. - Poxa, e como reclamo!

A algum tempo tenho lido algumas coisas muito mais do que a Universidade. Manoel de Barros é um dos autores que, guardadas minhas devidas críticas, observa alguns pontos dos meus pensamentos e sentimentos, - algo que não dissocio, Pensamento e Sentimento. Um de seus poemas me chama a atenção:

O Catador, Manoel de Barros in: Poesia Completa; “Tratado Sobra a Grandeza do Ínfimo”

Um homem catava pregos no chão.

Sempre os encontrava deitados de comprido, ou de lado,

ou de joelhos no chão.

Nunca de ponta.

Assim eles não furam mais - o homem pensava.

Eles não exercem mais a função de pregar.

São patrimônios inúteis da humanidade.

Ganharam o privilégio do abandono.

O homem passava o dia inteiro nessa função de catar pregos enferrujados.

Acho que essa tarefa lhe dava algum estado.

Estado de pessoas que se enfeitam a trapos.

Catar coisas inúteis garante a soberania do Ser.

Garante a soberania de Ser mais do que Ter.


Garantir a Soberania do Ser Mais do que Ter... que ressonâncias!

Talvez a primeira resposta ao ato de Ser mais do que Ter seja a subversiva AMIZADE, aquela onde há compromisso pelo crescimento humano, por realizar no outro não o Ter recheado da inveja, da cobiça e da avareza, mas Ser mais de si mesmo,. Porque despertar orgulho de um amigo que se abre a um sonho é sonhá-lo também em nossa própria vida, refazer esferas e domar os leões da VAIDADE. Ser o outro, nos outros, que podemos ser em nós mesmos... isso garante a Soberania do Ser e não de qualquer Estado, Política (externa/interna), ou Legislação de negação de libetação... Ser melhor - para si e a partir dos outros - é a subversão que partilha a Amizade. Isso garante a Soberania do Ser, muito mais do que Ter. Eu me encontro em meus amigos muito mais em Ser por eles do que tê-los.

Montaigne: "Na verdadeira amizade, e bem a conheço, damos ao amigo mais do que tiramos. Não somente prefiro fazer-lhe bem a receber dele favores mas ainda prefiro que o faça a si mesmo a fazê-lo a mim. Tanto mais alegria me proporciona quanto mais se outorga a si próprio; e se a ausência lhe apraz ou lhe é útil, torna-se ela desde logo muito mais aprazível e útil a mim do que sua presença, desde que tenhamos a possibilidade de nos comunicar. Disso tirei outrora vantagem e prazer [Terêncio]; quando nos separávamos, enchíamos melhor a vida e a enriquecíamos; ele vivia, apreciava, via por mim e eu por ele, tão completamente como se estivéssemos no mesmo lugar. E quando estávamos de fato juntos, uma metade de nós (visto que éramos um só) permanecia ociosa; separados, exercitavam nossas vontades cada uma por seu lado, em conjunto produziam mais. Esse desejo insaciável de presença física revela certa fraqueza na capacidade de gozo dos espíritos. "

A provocação de Montaigne é feita em um texto de seus “Ensaios” dedicados a discutir sobre a Vaidade em que encontramos de repente um parágrafo como esse, sobre a Amizade. Esse sentimento de Amizade tem sido minha busca nessas noites frias de Curitiba e encrudescidas nas almas de quem Tem mais do É. Tem mais leituras teóricas do que sentimentos e reflexões por pratica ou troca de ideias, Tem mais posses que instantâneos de carinho e gratidão, tem mais o que?

Alice (no País das Maravilhas) se dá conta de que sua identidade agora está perdida, por uma conversa que tem com a Lagarta sentada em um cogumelo e fumando muito... (a Lagarta ou Alice? - hauha). Logo depois, Alice come o cogumelo e diminui, tudo para ela tem dimensão de pequeno ou de formas que assumem a necessidade de se observar e pensá-las, mas experimenta crescer comendo o cogumelo do crescimento, cresce, cresce... até enroscar-se em uma árvore onde é confundida como uma cobra que ameaça comer os ovos do passarinho atordoado em seu ninho. Um sorriso do gato de Alice aprovaria o movimento de Alice a partir do momento em que ela toma consciência de que Ter o poder e a materialidade do Grande não é a mesma alegria, a mesma altura de SER.

- Como a literatura, a filosofia e a poesia podem, por AMIZADE, pelo puro companheirismo de se contar uma história, fazer com que diminuamos nossa avareza e vaidade sobre as coisas, sobre as pessoas, enfim que invejemos menos e façamos mais de nós mesmos. Eu aprendo isso a partir de meus amigos. Escrevo porque a maioria das pessoas em Curitiba me causam solidão. Penso que uma grande massa de pessoas sem simpatia pelo outro fazem com que as simpáticas aceitem essa situação solitária e de baixa-estima. Quantas mentes geniais no abandono da frustração!? Voltem meus amigos, vamos catar pregos!!! É um convite!

Bem, por fim, a Música! A Arte como limpeza da alma mesmo, catarse do medíocre:


de uns tempos pra cá - Chico César

coisas são só coisas
servem só pra tropeçar
têm seu brilho no começo
mas se viro pelo avesso
são fardo pra carregar...

...E aí, o que vocês podem sentir disso? Quais as formas dos pregos que vocês têm pra mostrar? Vamos lá, tem alguém aí ou todos já foram pregados e reforçam estruturas já prontas?


Tem alguém... pra mim? Por mim?

Alguém?

* Com os abraços sempre estendidos a AMIZADE...

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Linguagem e risco...


Pedido de Samba


esse instante antes ontem não sei quando

nesse medo que me anestesia

a alma esguia pelo corpo pede

a saudade pela boca pende.


o coro dos desconsolados

com os olhos encardidos da afasia

me repetem quase todo dia

a confusão dos já adaptados.


um remédio ou coisa que me valha

a medida de um ser qualquer

na sofisticação da vida

perder o link com essa mulher.


haverá, haverá, o dia

em que tudo e com tudo se ouvirá, se ouvirá, viu!

haverá, haverá, o dia

na avenida do samba verdade e poesia.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Ininterrupta


para Mara

caiu um folha sorridente

agora pouco, no meu quintal, sabia?

e ela tem o seu nome...


coloquei a folha dentro de um livro

que contou histórias no ouvido dela,

amargas fábulas sobre seivas e flores que não saem ao sol,

fungos, lesmas, que habitam ervas de nó.

- mas coisas extraordinárias acontecem no ar!

e como a Natureza não se entenderia?


(o vento transborda as coisas pelas mãos).


árvore de tossir estação do ano

com o aperto que deu entre os pulmões,

secou por três temporadas e se esqueceu no lugar...


(o ventre transforma as coisas pelo revés).


subiram folhas surpreendentes

folhas ininterruptas

no meu quintal, e tão muito eu já sabia:

no redemoinho,

nosso sobrenome é tempo!

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Teor

(Os Bêbados ou Festejando o S. Martinho 1907, óleo sobre tela
150 x 200 cm Museu José Malhoa Caldas da Rainha, Portugal)



para William Teca

(sexo, drogas e outras fuligens)

os copos vão pela mesa
do bar a revolta na última calabresa,
solitária, proletária, ou rima otária,
tanto faz, sempre volta.

(comanda, cartão e outras condições)

o amor se desfaz pelo número do sapato,
a envergadura do porta-copo
como um relicário.
por que improvisar? um erro é um erro,
dois desejos, uma banda de jazz!

ensejos:
aqui, aquele outro sem espaço,
ali, aquela noutra reação.
- talvez seja lá o talvez do haverá!

(não está no bar
e não estará natural,
se não se souber escolher
as uvas de seu vinho
e a destilaria do destino
em uma única garrafa).

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010



The Shipwreck, William Turner
(mas um naufrágio na tentativa de dizer. Acho que tenho mesmo saudade do mar...)


...e eu te amo!
(sem outras interpretações)

é fumaça, nativa e suspensa.
rico pirata, dos sentidos roubados
amaldiçoado pelo hálito do rum,
pelo azul da noite esquecida.
verbalismo... (mas puro)
verbalismo...

(nada é, nada poderia ser se
faz frio onde a maré permeia).

o mar selvagem
o mar selvagem e ela mais ainda.
o mar selvagem e mais
ainda

é levitar, é rede além dos pés.
por estar acima, fundir palavras
e cacos a estrelas soltas.
infundir sentido, nas paredes leprosas
nas ramas dos olhos
e na beleza pétrea.

o mar selvagem
o mar selvagem e ela mais ainda.
o mar selvagem adentro
e mais

é beijo, e é coisa que o valha.
vontade de subir a barca pela corda,
mesmo que a boca na linguagem da navalha
enferruje o velho sangue na borda da praia.
traço da rota na alma,
dos nervos a desfibrilhar o passo
e bater braços
na ponta dos dedos náufragos.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Relíquias


A muito tempo abri esse blog e não desenvolvi. Há coisas que deixo pelo caminho, eu sei, a maioria dos amigos sabem. mas decide voltar até quando, num sei... é assim, em busca de um tesouro que no fundo eu já tenho e as vezes a pirataria da internet tenta saquear....

Uma poesia pra começar:

embriaga,
os músculos vacilam
os olhos semi cerram,
e a felicidade embebe...

(quanto teor na taça do tempo),

e o vício alcoólico de levar palavra a boca
e o provar o corpo no fim
da garrafa. ela que sussurra
a mensagem recolhida do mar,
suspende a alteridade por ser
em si, nada mais que uma nota,
uma onda ainda e areia que marejou.

(simples, o sonho nas pálpebras do quarto vazio!)

* esse eu assino com vinho em seda branca... .^^